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Ética em reprodução humana assistida


Os limites necessários para quem lida com o surgimento da vida dentro de um laboratório

Os recentes episódios vexaminosos na área de reprodução humana assistida levaram a conhecimento público uma série de irregularidades na prática dessa especialidade da medicina, que vem evoluindo consideravelmente nos últimos anos. Comenta-se que a falta de uma legislação específica é o que permite que certos desvios ocorram. No entanto, os médicos que lidam com tratamentos de fertilidade, assim como os demais, são regulamentados pelo Conselho Federal de Medicina – CFM, além frequentarem congressos nacionais e internacionais, em que temas relacionados à ética da profissão são exaustivamente abordados. O profissional que não impõe limites a si mesmo por se sentir protegido pela falta de leis está fechando os olhos para o bom senso e as normas que norteiam a sociedade à qual pertence.

A verdade é que, na prática, não existe como controlar tudo o que acontece dentro de um laboratório de reprodução assistida. Que garantias o casal tem de que seus óvulos estão sendo inseminados com os espermatozóides certos? É possível ter certeza de que existe um bom controle de contaminações entre as placas de cultivo? Como saber se aquele embrião é o certo para o teste genético que foi realizado depois da biópsia? Qual nível de controle real se pode ter sobre o tratamento? A resposta é: o mesmo que temos quando somos submetidos a uma cirurgia e nos encontramos inconscientes depois de uma anestesia geral; a garantia da confiança depositada no profissional que escolhemos.

Portanto, é preciso divulgar a importância de saber o que e como buscar quando se procura por um profissional confiável. Ele precisa não só reunir habilidade técnica e conhecimento vasto, como também ter um comportamento ético reconhecido pela comunidade e pelos pacientes atendidos. O serviço escolhido deve ser avaliado segundo vários critérios objetivos: sistemas de auditoria, resultados dos tratamentos, tempo de experiência dos profissionais, qualidade da equipe multidisciplinar, cultura médica, postura da equipe, referência de outros profissionais e relação médico-paciente.

Já por parte dos profissionais da reprodução assistida, o caminho para reforçar a credibilidade no trabalho realizado passa obrigatoriamente pela educação e pela informação de qualidade para o público. Munir aqueles que nos procuram de todos os subsídios técnicos a respeito dos procedimentos, em linguagem acessível e ajustar expectativas quanto aos resultados é obrigação do especialista. Quanto mais bem informados forem os pacientes, menores os riscos de serem lesados por profissionais antiéticos.

É preciso deixar claro também que não existem milagres nos tratamentos de fertilidade. Obviamente, quanto mais bem preparado e equipado for o laboratório, maiores serão as chances de bons resultados. Porém, há limites para as chances de gravidez. Quando são apresentados resultados espetacularmente maiores que a média mundial, uma certa dose de desconfiança é justificada. Bons resultados à custa de manipulação genética sempre foram muito questionados no meio e frutos de incontáveis erros e pouquíssimos acertos. Rejuvenescimento celular ainda é um grande sonho científico, mas por enquanto muito distante da prática do dia-a-dia.

Por fim, é no laboratório, coração do serviço de reprodução assistida e onde se inicia a mágica do surgimento da vida, que os padrões éticos devem ser mais rígidos. Nesse ambiente, o especialista em reprodução assistida e o embriologista precisam trabalhar em fina sintonia e a postura de ambos é que determina a seriedade do serviço. Apesar das atitudes tomadas não envolverem diretamente risco de morte para o paciente, como em uma cirurgia, exigem extremo controle. Afinal, estamos, sim, lidando diretamente com vidas: vidas futuras. Por isso, é o paradoxo de manusear células microscópicas e, ao mesmo tempo, estar semeando futuras vidas que precisa ser bem administrado na consciência de cada profissional, para que limites fundamentais jamais sejam ultrapassados.

Dra. Maria Cecília Erthal
Ginecologista e obstetra, especialista em reprodução humana assistida
Dra. Maria Cecília Cardoso
Embriologista especializada em reprodução humana assistida

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