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Estudo do nado do espermatozoide questiona métodos de diagnóstico de fertilidade masculina

Acaba de ser divulgada uma pesquisa realizada por um brasileiro que avalia a dinâmica do nado dos espermatozoides e, segundo ela, como a viscosidade do fluido usado para avaliar os espermatozoides nos testes de fertilidade é menor do que a encontrada no canal vaginal, isso poderia comprometer os resultados desses testes

Na minha opinião como embriologista, o estudo da dinâmica dos espermatozoides em diferentes meios é interessante como pesquisa básica da fisiologia desses gametas, mas não acredito que tais testes possam mudar a orientação no diagnóstico e tratamento dos homens com infertilidade.

Apesar do espermograma ser realizado com os espermatozoides no líquido seminal, os serviços de reprodução complementam a investigação com a capacitação espermática. A capacitação retira os espermatozóides do líquido seminal e nos revela quantos, com capacidade de fertilizar os óvulos espontaneamente, conseguimos recuperar do sêmen, para uma técnica de reprodução assistida.

Na vida real, os espermatozoides que conseguem se desprender do líquido seminal e passar pela barreira do muco presente na entrada do útero feminino (cérvice uterina), caem em um meio fluido, sem viscosidade, até o encontro com o óvulo em uma das trompas. Portanto, a capacitação não mostra, de fato, o que poderá estar ocorrendo in vivo, mas, sim, o quanto e como a medicina pode ajudar aquele paciente que já nos chega com o problema de não conseguir engravidar sua parceira, nesse caso, com a ajuda das técnicas de reprodução assistida.

Tempos atrás, por exemplo, o exame do muco cervical, realizado após algumas horas da relação sexual, era utilizado como um das ferramentas para o diagnóstico da infertilidade conjugal. No entanto, este perdeu totalmente sua aplicabilidade por pouco se correlacionar com a história clínica ou as indicações e resultados dos tratamentos.

De toda forma, o estudo é muito interessante e vale a pena conferir o texto a respeito, abaixo.

Por Maria Cecília Cardoso
Embriologista do Centro de Fertilidade da Rede D’Or

Nadando contra a maré

Um estudo mostrou que características do fluido em que os espermatozoides se locomovem determinam seu sucesso na corrida rumo ao óvulo. As conclusões colocam em xeque os resultados dos testes de diagnóstico de fertilidade masculina.

Por: Debora Antunes

Publicado em Ciência Hoje On-line 14/06/2010 | Atualizado em 15/06/2010

Espermatozoides Em Circulo

Em um fluido de alta viscosidade, os espermatozoides alteram sua trajetória e deixam de se locomover em linha reta para nadar em círculo (foto: Centro de Matemática Biológica – Univ. de Oxford / Birmingham Women’s NHS Foundation Trust).

O que caracteriza um espermatozoide capaz de vencer a corrida até o óvulo? Para responder a essa pergunta, os métodos de diagnóstico de fertilidade masculina usados atualmente analisam fatores como o número de gametas ‘normais’ da amostra analisada, a morfologia de cada um ou o padrão do movimento feito por eles.

Mas uma pesquisa concluiu que os resultados determinados a partir dessas variáveis podem não ser eficazes. O trabalho mostrou que os diagnósticos desconsideram um aspecto muito importante: a viscosidade do fluido em que o espermatozoide se encontra.

O estudo foi realizado pelo grupo de Hermes Gadêlha, um físico-matémático pernambucano de 27 anos que está fazendo doutorado no Centro de Matemática e Biologia da Universidade de Oxford, na Inglaterra.

Os resultados da pesquisa foram publicados nas revistas Cell Motility and the Cytoskeleton e Journal of the Royal Society Interface, e foram também tema de reportagem na revista Science.

A equipe de Gadêlha desenvolveu um espermatozoide ‘virtual’ com base em simulações computacionais feitas com um modelo biomatemático. As simulações levaram em conta características como a interação da célula com o meio circundante, os mecanismos responsáveis pela propulsão do espermatozoide e a complexa geometria do seu flagelo.

O modelo permitiu descrever o movimento realizado pela célula e interpretar dados experimentais como o consumo energético dessas células durante o batimento do seu flagelo. As simulações mostraram que a viscosidade do fluido em que o espermatozoide se locomove influencia seu comportamento.

Hiperativação dos espermatozoides

O estudo permitiu reproduzir nas simulações um tipo de comportamento observado nos espermatozoides reais – uma mudança de sua trajetória retilínea para um movimento circular. Esse fenômeno – chamado de hiperativação – é essencial quando o espermatozoide está prestes a entrar no óvulo.

Espermatozoide

A ondulação na cauda do espermatozoide mostra um esforço maior do gameta para conseguir manter a trajetória linear (foto: Centro de Matemática Biológica – Univ. de Oxford / Birmingham Women’s NHS Foundation Trust).

No momento em que os gametas chegam às trompas de Falópio, o cálcio presente na parede das células das trompas induz a hiperativação e estimula os espermatozoides a nadarem em círculos, pois só assim conseguirão chegar até o óvulo.

A transição para o movimento circular observada nas simulações foi atribuída pela equipe de Gadêlha à resistência viscosa do meio. “Agora, talvez seja necessário rever o conceito de hiperativação, já que a viscosidade do fluido também influencia esse processo”, avalia o pesquisador brasileiro.

Para confirmar in vitro os resultados previstos pelo modelo matemático, a equipe de Gadêlha conduziu também testes para observar a locomoção de espermatozoides. Os ensaios foram feitos em um fluido biológico de alta viscosidade, semelhante à do canal vaginal, e em outro tipo de fluido, usado normalmente nos testes de fertilidade masculina, com menor viscosidade.

O resultado confirmou que, em um fluido mais viscoso, o espermatozoide é capaz de mudar sua trajetória e passar a nadar em círculos. Essa característica pode ser interpretada como uma estratégia do organismo feminino para excluir os gametas que não conseguiram manter o ritmo durante a corrida rumo ao óvulo.

Assista a um vídeo que mostra os diferentes padrões de movimento de um espermatozoide.

Testes de fertilidade em xeque

No entanto, o estudo também traz implicações alarmantes. Como a viscosidade do fluido usado para avaliar os espermatozoides nos testes de fertilidade é menor do que a encontrada no canal vaginal, isso pode comprometer os resultados desses testes.

“As substâncias usadas durante exames clínicos são menos espessas e não refletem as condições que o espermatozoide deverá enfrentar até a fecundação”, alerta Gadêlha.

O pesquisador brasileiro acredita que esses resultados podem um dia inspirar a construção de microrrobôs capazes de ajudar os espermatozoides a reorientar sua trajetória. “A ideia seria acoplar um filamento elástico com propriedades magnéticas à célula, com o objetivo de reorientar sua trajetória, de curvilínea para linear e vice-versa”, vislumbra Gadêlha.

Debora Antunes
Ciência Hoje On-line

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